Entrevista a Legacy of Cynthia
Texto: Margarida Salgado.
Fotos: Facebook da banda
A banda de Sintra formada em 2010 com um som de Alternative metal em entrevista em exclusivo a Margarida Salgado para o Som do Rock.
SR: Como começou a banda?
OZ: Eu e o Peter tínhamos outra banda, mais outro elemento que fez parte dos Legacy of Cynthia, o Charlie, essa banda acabou e decidimos fazer um projeto novo, diferente do que estávamos a fazer na altura e começou assim. Convidamos mais um guitarrista e eramos só os quatro, duas vozes e duas guitarras. Depois, entretanto, as coisas foram evoluindo, gravamos um EP com um baixista convidado, o Pedro Martinho, não tínhamos baterista, gravamos com bateria programada com o Rui Danin. A seguir apareceu o Caesar. E agora com a formação atual acho que finalmente a família certa. No último álbum, Danse Macabre já estávamos os seis e agora vem aí uma cena nova.
Peter: A nossa base, nós que já andamos nisto das bandas há anos sempre foi ter pessoal fixe, sermos família, de preferência que tocassem bem, mas pessoas com que nos sentíssemos identificados e que tivéssemos essa irmandade e assim chegamos até aqui.
SR: Quem é a Cynthia e que legado foi esse que ela deixou?
Peter: A Cynthia era uma prostituta da minha rua e por volta de 90% do pessoal perdeu a virgindade com a Cynthia.
OZ: Epá, isto era porque Cynthia eram o que chamavam…
Caesar: Cala-te pá, que cena desinteressante… Cynthia era uma prostituta com quem toda a gente menos o Caesar perdeu a virgindade!
OZ: Um gajo a querer ser sério e vocês não deixam.
Peter: E posso dizer que ela ainda hoje está para as curvas…
SR: OZ, conta lá!
OZ: O Caesar não me deixa…
Caesar: Epá, Cynthia era o nome que davam antigamente a Carnaxide. E como eu tenho um primo que até faz uma feijoada ao domingo e eu costumo lá ir comer ficou assim o nome da banda.
SR: Como caracterizam a vossa sonoridade? Há uma certa dificuldade em caracterizar o vosso som.
Liberdade: A característica é essa mesmo, a dificuldade de caracterizar o nosso som. Não sei exatamente em que género é que isto anda… Já fomos apelidados do pessoal do " motoclube com as canecas na mão", viking metal com Limp Bizkit…
OZ: É alternativo.
Peter: Isto acaba por não ser um só estilo. Todos nós ouvimos montes de música e todos temos as nossas influências e o objetivo, o que nós queremos é fazer um som que seja algo novo sem nenhum pretensiosismo e para isso cada um traz um pouco das suas influências para cima da mesa. A única imposição é não haver limites para fazer algo que nunca tenha sido ouvido, que se identifique com a banda e com o nosso gosto pessoal. E é um bocado esse o nosso trajeto. Quem nos conhece e quem viaja nos nossos discos sabe que tentamos não cair no obvio porque é assim que nós somos. Nós somos diferentes e tentamos fazer música que nos identifique.
Liberdade: No fundo acho que se resume muito a, se por exemplo de repente, a meio do disco aparecer um rancho folclórico a tocar citaras com guitarras com distorção, quem estiver a ouvir só possa dizer, “só podiam ser estes gajos a fazer isto”.
OZ: Basicamente é isso. Pode soar descabido, mas é possível de acontecer.
SR: Isso também se aplica na indumentária e na forma como se apresentam nos concertos, principalmente o Peter. Isso é pensado?
Peter: No meu bairro, quando era puto, o meu estilo sempre foi “fora da caixa” e cheguei ao ponto que quando viam tranças na barba ou o que quer que fosse já diziam: “Ah é o Peter, tá-se bem” e isto é um bocado o que eu sinto no momento, o que eles sentem no momento. Eles quase nunca sabem sequer o que eu vou vestir, não é nada combinado. Eu naquele momento sinto aquilo e eles de igual forma vestem o que estiverem a sentir e vamos atrás do flow exatamente como fazemos no nosso som.
Liberdade: No fundo acaba por ir dar tudo ao mesmo. É cada um ir de uma maneira diferente e ainda assim isso fazer perfeito sentido com o conceito da banda e com a estética em geral. Não sei bem como isso acontece, mas acontece. Flui...
Peter: É o momento. Nós não temos nenhuma indumentária nem queremos que assim seja. Gostamos da identidade de cada um e é isso que faz a banda. É o que cada um traz musicalmente, a cabeça da pessoa e o look, não queremos que ninguém siga nenhum caminho forçado. Aceitamo-nos todos uns aos outros como somos.
Caesar: No dia que não me deixarem tocar de pijama saio da banda.
SR: E como funcionam em termos líricos e de composição?
Caesar: Isso é um ghost rider que nós temos preso numa catacumba. Ele vai aparecendo com temas.
OZ: Acho que toda a gente funciona mais ou menos da mesma forma. Um vai aparecendo com um riff, outro com outro riff e vamos juntado ideias. Costuma ser sempre o Peter a escrever as letras agarrando numa temática qualquer ou num conceito que temos para um disco e ele depois segue o seu flow por forma a ele também debitar também o que nós debitamos a nível instrumental. Basicamente é isso. A nossa forma de trabalhar se calhar é um bocado diferente, não sei, nós trabalhamos muito em casa e mandamos muitos riffs uns aos outros e quando chegamos à sala de ensaios já temos algumas ideias e vamos aperfeiçoando, limando as arestas e fazendo o melhor que pudemos.
Liberdade: Nós fazemos bastante pré-produção dos temas ainda antes de ir para ensaio e só quando temos uma estrutura mais ou menos criada, as progressões e as passagens entre progressões e a nível melódico construído é vamos ensaiando e a partir daí é um vai e volta até ter o tema definido para gravar.
SR: E o novo álbum vai ser conceptual? Qual o conceito, podem dizer?
OZ: Ui...
Liberdade: É fortíssimo, mas é segredo.
Peter: Não podemos dizer porque vai ser uma coisa muito especial que nunca fizemos e nem vimos também e não podemos dizer para ter esse fator surpresa. Posso dizer que é conceptual e pouco mais... Mas é só pela surpresa. É especial para nós e vai ser uma abordagem completamente diferente, sendo nós obviamente, mas vai ser diferente, vai ter uma roupagem diferente.
Liberdade: Podemos só dizer que é muito arriscado, mas lá está, a banda presta-se a equilibrismos em cordas... No fundo é conseguir fazer sentido de uma coisa que nunca vimos fazer, mas que havemos de encontrar alguma maneira de o conseguir fazer. E é isso, para já.
SR: E data de previsão para o lançamento?
OZ: Isso o Caesar é que sabe...
Caesar: 2028!
Peter: Respondendo a isso e com o equilibrismo que estamos a fazer não queremos que nada que saia cá para fora não seja aquilo com que todos se identifiquem e isso é difícil. Até porque nós funcionamos com base nessa abertura, as ideias são levadas para a mesa e depois queremos a voz de todos, independentemente de quem traz a ideia original. E como queremos mesmo que assim seja e que cada um dê o seu cunho pessoal é importante que só quando todos sentirem que é aquilo de facto. Isso normalmente em nós resulta, porque quando todos sentem é sólido e estamos seguros. E está a ser um bocado mais difícil por isso mesmo, porque estamos ali a desbravar uns caminhos que ainda ninguém fez.
OZ: Sim e temos muito material, por acaso temos muito material, muitos esboços. E por termos muitos esboços é que se calhar podemos demorar mais tempo. Ainda gostávamos que o álbum saísse este ano, mas vamos ver como é que o equilibrismo corre...
Liberdade: O nível de ambição aqui pode atrasar um bocado o processo. No entanto arrisco-me a dizer que vai valer a pena! Por mais que isto agora possa parecer algum pretensiosismo da nossa parte para quem ler isto, garantidamente que no futuro vão perceber porquê quando o álbum sair.
Peter: Nós estamos a apontar e gostaríamos que fosse este ano, mas... não estamos muito presos à data, embora gostássemos que fosse, mas nós acreditamos que vai valer a pena e se queremos fazer algo que seja um marco não interessa o tempo. Não vamos apressar uma coisa que possamos depois nos arrepender de algum pormenor, por isso, para estar mesmo solidificado tem que demorar o tempo que for necessário.
OZ: Isto é como se fosse uma flor, estás a ver? Mas carnívora! Vai nascendo, nascendo, ganhando uns dentes, depois tem que ir ao dentista de vez em quando levar um aparelhito ou fazer um polishzito... É tipo isso! Leva o tempo que levar, mas gostávamos mesmo que fosse este ano. Vamos ver...
Peter: Só para dar mais uma achega... envolve mais do que música, não é só aquele conceito normal de escrever e compor temas, temos muita coisa à volta para além de música.
OZ: Vai ser uma obra... Não é só um disco.
SR: E já tocaram alguns temas novos ao vivo?
OZ: No Viso. Na terra do Adelino. A mãe dele curtiu. O Caesar dedicou-lhe uma música. Mas sim, tocamos. Mas era um evento um pouco diferente do que estamos mais habituados. Era uma festa mais local, da noite dos bruxos, uma festa mais para o convívio, com animação e mais tradicional.
Peter: Por estarmos nesse contexto é que decidimos tocar mais para sentir os temas ao vivo e ver como corria.
SR: E quando pudemos ouvir alguns dos temas novos? Não estão a pensar em ir lançando alguns temas antes da saída do álbum?
Liberdade: Até para isso acontecer o disco tem que mesmo que estar pronto. Até isso vai envolver mais ramos e tentáculos da obra. Vai acontecer e obviamente que o nosso objetivo é irmos partilhando...
OZ: Vamos antecipar o lançamento do disco, mas não podemos revelar mais nada. Vamos antecipar e dar a conhecer às pessoas o nosso conceito, mas não podemos dizer mais nada.
Caesar: Quando o Adelino quiser gravar a bateria.
Liberdade: Quando estivermos a lançar o primeiro tema é garantido que o álbum terá que estar pronto. Mas isto depois fará tudo sentido.
SR: E como se irá chamar a obra?
Caesar: O álbum vai seguir a tradição dos nossos outros dois álbuns. É uma coisa muito curiosa, tal como os outros álbuns também terá um nome em francês. Não se sabe muito bem porquê...
Peter: Não podemos revelar apenas porque ao contrário dos outros este é mais explicito em termos de associação ao conceito. Seria entregar o ouro ao bandido.
SR: E vão manter a parceria com Raising Legends Records?
Caesar: Sim vamos manter esta parceria que tem resultado de alguma forma bem. Mas gostava que este álbum fosse até ao Japão.
OZ: No passado antecipamos algumas coisas e neste disco queremos fazer as coisas com uma estratégia mais amplificada, tentar chegar a muito mais pessoas e se possível tentar distribuir o disco lá fora também. Mas isso são detalhes que só depois de ter o disco na mão é que poderemos trabalhar sobre isso.
SR: Quais as grandes diferenças do que fizeram até hoje para o que estão a fazer agora?
OZ: O conceito é diferente. A sonoridade também vai ter algumas coisas diferentes, mas terá sempre, porque como o Peter disse há pouco, nós bebemos de muitas fontes e gostamos de coisas muito diferentes de uns para os outros. E acho que é isso que faz com que o nosso som se destaque.
Caesar: O objetivo é esticar a corda. Pessoalmente é esticar mais os extremos, como sou eu que vou trabalhar no disco não tenho problemas de meter uma música new wave, como ter uma música "Phil Collins" como a seguir ter uma música "Cannibal Corpse". E nesse sentido este álbum vai ser mais arrojado.
Peter: Isso tem um bocado a ver com a aceitação que tivemos com o Danse Macabre. Retirou-nos um pouco do receio, porque nós sentíamos vontade de fazer aquilo, só que o meio que acabamos por estar inseridos é muito metal e esses crossovers às vezes as pessoas não têm a abertura para e o que foi surpreendente foi mesmo a cultura musical das pessoas de perceberem que uma boa música não interessa se é tocada de uma maneira ou de outra. Isso para nós foi ótimo. Sentir que as pessoas entenderam o nosso propósito e agora vão-nos dar azo a perdermos a cabeça e a irmos muito mais à frente ainda que sendo nós próprios, mas com as ideias mais loucas que poderemos ter. O Caesar quando fez alguns dos temas do Danse Macabre e me mostrou senti logo "isto é a nossa banda, isto é ótimo". Não interessa se era mais eletrónico ou com mais distorção... e é por aí que nos baseamos. É algo muito orgânico.
SR: E datas para concertos?
OZ: Neste momento só o Laurus Nobilis Music Famalicão. Nós estamos mesmo focados no novo trabalho.
Caesar: Nós temos que tentar acabar isto, senão só mesmo em 2028.
Peter: Nós até já recusamos algumas coisas só porque quando tocamos o nosso profissionalismo obriga-nos a ensaiar, a preparar o concerto e tudo mais e isso apesar de não serem semanas e ensaios perdidos, porque tocar ao vivo são sempre momentos prazerosos para nós, vai sempre atrasar o processo e como queremos estar 100% focados, só quando são situações boas para a banda de exposição é que estaremos abertos. Tudo o resto nós queremos esperar até porque depois o que o álbum nos irá trazer, futuramente irá ser muito melhor para nós e vai-nos dar muito mais prazer partilha-lo ao vivo.
Caesar: Nós temos que despachar este processo, porque por nós tocávamos todas as semanas se pudéssemos e é isso que quero fazer com este disco. Terminar o disco e tocar ao vivo em todo o lado que nos quiserem.
SR: E no Laurus Nobilis Music Famalicão já vamos ouvir alguma coisa nova?
OZ: Sim, a princípio sim. Mas aí já sabemos as músicas.
SR: Para terminar, que mensagem que gostariam de transmitir para o público?
OZ: Primeiro queríamos agradecer porque estes dois últimos anos têm sido espetaculares. Antes éramos uma banda relativamente desconhecida e hoje em dia já quase toda a gente nos conhece. O nosso som já é mais conhecido. Tivemos já em grandes palcos com grandes bandas nacionais e internacionais e temos que agradecer aos promotores, ao público, aos media especializados. Depois de agradecer só podemos prometer continuar a fazer o que gostamos de fazer, com toda a pica em palco e nas gravações esperar o inesperado.
Liberdade: Pois no fundo a banda é mesmo isso, viver o inesperado e isso conseguir fazer sentido. E é de fato fascinante a receptividade que temos mesmo nas coisas mais arriscadas. E as pessoas cantarem as nossas músicas quando nem imaginamos que isso pudesse acontecer e ninguém achar estranho as decisões que vão sendo tomadas pela banda. Isso é uma oportunidade estupenda, não que a banda não tenha trabalhado para isso, mas não deixamos de estar gratos. Nós tentamos passar um espetáculo e passá-lo nas suas mais variadas formas.
Peter: Os nossos concertos, quem já nos viu sabe que tem tudo de entrega. A nossa música não é de consumo imediato e é feita do coração, é feita com alma e a nossa entrega é real. E isso as pessoas irão ter sempre porque isso é o que nós somos. Tanto a parte visual, como a parte musical como tudo o resto faz parte de nós e isso será sempre inerente ao nosso som. Isso é inegável.
Caesar: Ninguém faz fretes, basicamente é isso.
OZ: Sim, isso resume tudo.
SR: Obrigada!